A linguagem da vida é a metáfora, sinais pragmáticos gritando teu nome em meio as horas percorridas.
As vezes, estou andando na rua e sinto que determinado cenário foi milimétricamente colocado, sinto arrepiar minha pele pela percepção da existência do sagrado e fito os olhos, respiro funto, guardo na memória aquela metáfora. Quando algo me lembra alguém eu ligo, quando me lembra um momento eu recordo, quando me lembra uma música eu escuto, quando me lembra um movimento eu danço e assim me mantenho conectado.
Hoje, vi dois meninos brincando, correndo na praia com a mãe deles, era fim de tarde, ela estava com uma sacola cheia de latinhas, o mais novo parecia ter em torno de 3 anos e os mais velho uns 6 ou 7 anos, a mãe deles tinha aparencia jovial, tinha uns 30 anos. No mesmo momento, lembrei dos meus pequenos, senti a saudade de quase todos os dias, a falta da presença deles comigo naquele momento, acho que eles me acostumaram mal, todos os dias quando eu chegava do trabalho eles me recebiam com um abraço maravilhoso, eu conversava com a mãe deles sobre alguma demanda, sobre algo do dia dela ou do meu, os meninos faziam alguma tolice, alguém tinha caído, alguém tinha chorado ou não tinha gostado de alguma comida, eu banhava, trocava de roupa e dava comida para os meninos... Mas o mais especial era preparar o sono deles.
Tenho uma memória, estou na rede, as vezes abraçado com minha avó frente à frente como os primatas filhotes ficam com suas mães, as vezes, quando maior, deitado estendido sobre a rede, com minhas pernas sobre as pernas dela, em estado de embalo, a voz dela canta um rittmo continuo e melancôlico, do tipo que faz carinho na alma com a palavra, o mundo em movimento, tudo em movimento, meus olhos pesam, meu corpo relaxa e vou para outra dimensão, sonhando antes de dormir. Esse mesmo ritual eu fazia com eles, lembro ainda as cantigas mágicas dela, lembro das noites sem sono, ou ainda, das noites em que o fio da pipa brigava com o fio da luz e tudo ficava escuro, ela acendia as velas, contava histórias e iamos dormir mais cedo. Sou grato por todo esse afeto regado quando eu era semente e pezinho do que sou.
Amanhã, final da tarde vou ver os meus meninos, tenho a missão sagrada de ensinar, guiar e nutrir esses pezinhos de gente, por agora, por hoje, vou sorrir vendo os meninos brincando na praia, aprender com a mãe deles que apesar do trabalho e da vida difícil consegue cuidar e dar lazes pra esses meninos que eu vejo, estão mais seguros na vista dela, acredito muito que lugar da criança é onde o pai e a mãe tá vendo, que essa energia de carinho seja levada pelo vento até os meus meninos, que estão com a mãe deles e que eles estejam brincando também. E que tenham memórias boas da infância deles, como eu tenho da minha.
Autor: Henrique B. Lobato